terça-feira, maio 23, 2006

BLOGOSFERA ARRAIANA


ALGUMAS CONSIDERAÇÓES SOBRE LITERATURA E BLOGOSFERA

Texto no que se baseou a intervenção de Xavier Queipo nas Correntes d’Escritas 2006, em A Póvoa do Varzim

“Quando me convidaram a falar em estas Correntes d’Escritas sobre a blogosfera, pensei que não era a pessoa mais indicada, pois eu não som um bloger, não som um usuário de bloges. Estou-me aproximando dessa idade provecta dos 50 anos e muitos dos avanços tecnológicos passam ao meu lado sem que eu consiga entende-los. Mais este convite actuou como uma espécie de estímulo. Como intelectual não tenho direito, não só a não conhecer, senão mesmo a não compreender um fenómeno actual que está, sem dúvida marcando a toda uma geração. Os portugueses, tão dados no passado à exploração e à descoberta, não podem estar alheios a este fenómeno. Eu, como galego e trabalhador do intelecto (o escritor trabalha com a língua ou se se quer com o sistema de pensamento). Eu passo quase nove horas ao dia diante do ecrã da computadora e som visitador regular de bloges. Quando me propuseram este mote, pensei de contado na teoria de conjuntos e quis pensar a blogosfera em termos de intersecções, uniões, subconjuntos (bloges) e relações entre eles (links, posts/ ligações, espinhas), constituindo redes de relações entre os elementos de tipo unívoco (de um a outro subconjunto) ou biunívocas (de um elemento “a” dum subconjunto a outro elemento “b” e de este elemento “b” ao elemento “a). A união dos elementos de todos os subconjuntos possíveis (é dizer a união de todos os elementos dos distintos bloges) daria lugar ao “Universo” Blogosfera.

A palavra “universo” fixo acordar em mim a ideia de “universo” em termos astronómicos. Se existia um universo, falar podia de estrelas. Cada bloge uma estrela. As estrelas segundo as reacções termonucleares que aconteçam em o seu seio, e os bloges segundo a quantidade de informação que contenham, podem-se dividir em anões brancas (bloges recentes, cheios de energia), gigantes vermelhas (bloges já antigos, com grande quantidade de informação, mais algo rotineiros, coma sem força), estrelas marrões (bloges que se apagam progressivamente, que perdem interesse e visitas). Já logo teríamos os buracos negros (bloges que geram ao seu arredor um campo gravitacional, que atraem comentários de toda parte, que toda a gente consulta e comenta), os bloges sol, arredor dos quais outros bloges subsidiários se alimentam e vivem, sendo estes os bloges planeta, sem luz própria e fazendo a função de repetidores de ondas, ecoando o que acontece em os bloges sol. Hainos de curta duração, bem por desinteresse do que os iniciou ou bem porque foram programados a tempo fixo, como os que se fãs para promover um livro, por exemplo, estaríamos, então, diante dos bloges estrelas fugazes. Também haveria bloges cometa, que passam e deixam um ronsel de informação ou influências, que podem mesmo deixar traças e originar modificações do seu contorno. Há, por suposto, os bloges lua, que ciclicamente movem as marés e as modas, que geram eclipses e aparecem e desaparecem de continuo. E há também, como não, (para isso estão as ligações), galáxias e constelações de bloges que se associam por temas ou afinidades. E não podiam faltar as supernovas, resultado de intercâmbios de energia/informação entre bloges binários, com origem no mesmo nauta ou não. As supernovas, segundo me explicaram nos anos já afastados da escola, som aquelas estrelas que captam matéria e energia de outras estrelas próximas, que actuam como parasitas e acabam por roubar lhe o material tudo ate elas próprias acumular a energia binária. Os links (ligações) actuariam como “buracos de verme”. Em física, os buracos de verme são hipotéticas características topológicas do espaço-tempo, descritas nas equações da teoria da relatividade geral (uma espécie de atalho a través do espaço e do tempo), que é o próprio que acontece com a informação que se move (aparece) entre bloges (que se replicam, que se repetem, que se citam, que se comentam os uns aos outros).

Um pensa que o conceito de bloge é muito novo, pois une palavra escrita com imagens e som. Postos a pensar em termos arqueológicos (paleotecnoantropológicos) os bloges tem os seus antecessores em os diários literários dos escritores entre os que poderíamos lembrar a Franz Kafka, Leon Tolstoi, André Gide ou Anais Nin, por dar exemplos bem conhecidos da literatura ocidental. Más recentemente, o antecedente pódese procurarem bem em as auto publicações (fanzines, jazz poetry com Ferlinghetti à cabeça) ou bem com os “pal pens” das décadas dos anos 60-80 do século XX. Os pal pens ou amigos da escrita, eram aqueles que se escreviam entre eles para se contar as suas vidas, para partilhar experiências, para estar ou sentirem-se menos sós. Intercambiavam também cassetes (sons) e fotografias, diapositivas ou pequenos filmes em super-oito. As características que marcam a diferença – grande diferença som:

a) A imediato da transmissão (o clickwriting); essa demora mínima que faz que o texto chegue ao leitor quando se está produzindo

b) A politopia, ou possibilidade de que uma mensagem, um texto, um bloge esteja ao mesmo tempo em vários (potencialmente muitos) lugares a um tempo, uma espécie de “ubiquidade” da mensagem.


c) A capacidade do “leitor” de modificar os conteúdos (por médio das espinhas ou comentários). O texto não é mais algo estático; inamovível, senão que sofre uma transformação permanente.

d) A possibilidade de seguir um texto em construção, que mesmo pode ser de-construído, em terminologia importada de Derrida, é dizer, descoberto na sua origem, anal içado, modificado e mesmo disseccionado ata encontrar lhe a estrutura; Quantas historias não começam agora como pequenos fragmentos em um bloge, que logo se transformam em livro. Pode-se dizer que, pelo de agora, a maioria dos bloges com ambições literárias, tenham como ambição final a publicação em papel, pois continua a ser o livro (por quanto tempo) um artigo de distinção, um objectivo de reconhecimento, uma obra tangível.

e) O autor pode incrementar a sua presença e mesmo utilizar o seu bloge como médio de auto-promoção, por exemplo, pondo-lhe ao blogge o nome do seu próximo livro, adiantando fragmentos...


f) A possibilidade do autor de “vigiar” aos seus leitores, saber quantos o consultam, de onde e tudo isso em um tempo recorde (pode mesmo traçar a quem fixo o comentário e contestar-lhe, pois tem normalmente o seu endereço electrónico);

g) Alguém poderia pensar que democratiza a escrita: qualquer pessoa que tenha uma computadora pode “publicar” o seu bloge em Internet e chegar aos quatro cantos do mundo, o que se entenderia em principio como democratização, como que “publicar” deixou de ser privilegio das elites e, alguns podem mesmo ir tão longe como dizer que é um acto “antiburgués” e que se hoje vivesse o Che Guevara escreveria o seu diário em forma de blogge. [Logo das intervenções em esta mesa dos meus colegas escritores de Moçambique (Guita Júnior) e da Guiné-Bissau (Wilmar Araújo), a minha ideia de democratização arrefece um pouco. Quem tem uma computadora em Moçambique? quem tem electricidade ou linha telefónica em Guiné-Bissau? Não será mais um avance tecnológico que nos separa e que não nos aproxima?]
[2]

Como todas as tecnologias (ou quase todas) e como todos os métodos de comunicação actuais, tem os seus detractores e os seus ferventes admiradores. Ensaio (nem sempre consigo) pensar com racionalidade e sossego. Nem é algo abominável nem é algo insuperável. Para mim, e já, para final içar, é uma etapa intermédia no desenvolvimento tecnológico e dentro de uma década ou mesmo antes estará superado por uns sistemas muito mais sofisticados que combinem a imagem gravada com subtítulos automaticamente traduzidos na língua solicitada pelo receptor da mensagem, de forma que poderemos escutar a um amigo chinês falando em chinês e com subtítulo em português ou em búlgaro, em galego ou em romani, ou escuta-lo mesmo coma se estivesse falando directamente na nossa língua materna.

Há que falar em bloges por varias rações, a primeira sem dúvida porque é uma realidade que esta aí, se calhar pouco utilizada em as suas possibilidades e a outra porque é um instrumento que pode ajudar a mudar mentalidades, a espalhar ideias, a exercer a liberdade de expressão... em definitiva a resistir contra a onda de uniformização e de simplificação que já nos começa a asfixiar.

Há outros colegas que querem falar e que o farão desde outro ponto de vista, que é a essência de estas palestras, e logo a seguir termos o diálogo para incrementar a entropia do discurso, para alimentar novas opiniões, para nos ajudar a fixar a nossa própria. Pelo de agora, pois, nada más, que sejam felizes e diferentes.”

[1] O texto não foi lido, mais serviu de base para a dissertação. Originalmente foi escrito em português e assim fica.
[2] O texto entre [ ] não estava no original, mais foi comentado ao fio das intervenções que me precederam e dou pé, perante o colóquio que seguiu a palestra como tema de varias intervenções nas que se estabeleceram diferenças entre o “primeiro” e o “terceiro” mundo, termos hoje obsoletos, pêro ainda de uso comum.